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Entrevista realizada com o pianista Luiz Henrique Senise (1991)

SALETE: Para começar, nos fale um pouco da sua formação musical, os fatos mais marcantes.

SENISE: Tudo na formação da gente é marcante. O processo consciente, e o processo inconsciente: os professores com os quais aprendemos, sabendo que estávamos aprendendo; e aqueles com os quais aprendemos, sem saber que estávamos aprendendo com eles. Muitas vezes, aprendemos muitas coisas com um determinado professor sem saber. Só depois de anos que vamos aprender. No meu caso, aprendi com Bruno Seidhofer a cantar. Na época, nem sabia que tinha aprendido isto com ele. Cada professor nos marca de uma forma diferente.

Comecei meus estudos no Rio de Janeiro, com a professora Elzira Amábile com a qual eu aprendi o idealismo pela música. Com Jacque Klein estudei em cursos públicos, e com ele aprendi que o piano, a música era muito mágica - a magia, a arte do piano; aprendi não. Reconheci isto com ele. Nada a gente aprende, apenas reconhece, conscientiza. Principalmente devo a ele a aprendizagem do pedal. Ele me fez perceber a magia do pedal. Aqui no Brasil, fiz outros cursos com Arnaldo Estrela, Magdalena Tagliaferro e Hans Graf. Em Viena, estudei com Seidhofer que era violoncelista, o que é a ótimo pois a sua visão era outra. Com ele, tocava muito Bach e aprendi toda esta parte de cantar, conscientização de legato, fraseado principalmente. Com ele, ultrapassei certos limites que eu tinha no sentido que, a cada semana, ter que aprontar uma nova obra. Aprendi que eu poderia aprender uma peça a cada semana, e até mesmo a cada dia, se eu me propusesse a faze-lo; aliás, como todo mundo, não apenas eu. É só você despertar para o seu limite. Fiz cursos de férias um Paris com Jan Ekier, com o qual aprendi muito a respeitar todo o texto. Ele era todo muito sério. Eu nunca gostei muito desta seriedade excessiva ao texto, desta interpretação fiel, sem as entrelinhas. Eu sou muito mais das entrelinhas do que da fidelidade do texto. É claro que, como intérprete, eu tenho que me ater a alguma coisa principal que é o texto, como o ator. Mas, o mais importante não está no texto, está por detrás deste. E o conteúdo do texto que é o mais importante que, você como intérprete tem que valorizar e dar a sua interpretação do conteúdo do texto. O primeiro curso que fiz na Europa foi com Nikita Magaloff. Foi interessante este curso porque entrei em contacto, logo de cara, com grandes pianistas internacionais que haviam ganho concursos, como a Mitsu Kuchida que é muito famosa, que havia ganho o Concurso Beethoven em Viena e o segundo lugar no Concurso de Varsóvia um mês depois do Curso. O curso estava com um nível altíssimo e, eu recém chegado do Brasil, novíssimo, com todos os problemas, estava em uma crise pianística quando fui para lá. Pudeaprender muitas coisas com o contacto com estes artistas, troca de idéias, de escolas pianísticas. De todos os inscritos no Curso, apenas 12 foram classificados para tocar no curso, e, eu estava entre eles, apesar da minha crise.


SALETE: Isto que gostaria que você explicasse. Todo pianista que eu conheço passa por alguma crise pianística, abandono dos estudos ou algo parecido.

SENISE. Uma ou várias crises Justamente quem é Pianista tem que passar por isto.


SALETE: E, como é isto?

SENISE. É terrível Esta crise que tive com dezoito anos de idade Eu pegava peças que estavam acima da minha capacidade técnica, do que eu poderia realizar bem ou não, simplesmente por uma falta de orientação. Pegava, por exemplo, aos dezessete anos o Concerto n° 2 de Rachamanninov, aos quatorze anos as Rapsódias Húnqaras de Liszt, a quarta Balada de Chopin, chegou a um ponto que eu fui contraindo, contraindo por fase de preparação técnica, contraindo até no tocar mais. Tocava quatro compassos tinha uma crispação, doía o corpo todo. Passei dois anos com uma dor no braço horrível. Quanto mais eu estudava menos bem eu tocava. Você fica em uma situação terrível. Você chega a conclusão que não existe nada de concreto no estudo do piano, o que não é verdade. O estudo de piano é uma coisa muito racional, se você faz certo você consegue obter os resultados. Na época, eu não tinha orientação o suficiente, apesar de todos os professores que eu tive.


SALETE: Você que tem experiência como professor e pianista, como é que funciona esta interação professor/aluno no problema da crise?

SENISE: Eu não sei como é que processa isto. Tenho, por exemplo, diversos alunos que passam por diversas crises e não sei na realidade qual a ajuda que dei a eles.


SALETE: A figura do professor é essencial, não é?

SENISE: Eu não sei. Não sei se consegui ajuda-los. Sei que estavam passando por crise, expliquei a eles que eram crises. Poderiam ser passageiras e deveriam ser encaradas como crises. Eu tenho alunos em crises e eu não sei qual a minha função, eu não sei se consigo ajudá-los.


BEATRIZ: Você consegue identificar as causas das crises?

SENISE: Creio que cada uma é uma.


BEATRIZ: Ela começa na cabeça. Primeiro ela é existencial para depois ser pianística, depois se reflete no piano.

SENISE: Eu não sei. Nem sempre. Cada um é um. Eu não sei qual seria atuação do professor nesta parte. Agora, que todos passam por crises, todos passam.


BEATRIZ: Como é que você superou a sua crise?

SENISE: minha crise, eu superei sozinho em um curso público com Pierre Sankan. Estava tocando uma moça, e ele disse, por que você não faz isto daqui? Aí, eu descobri que o meu problema técnico estava no meu pulso que estava preso. Quando eu fiz este movimento, parece que deu um clic. Através deste movimento eu comecei a resolver todos os meus problemas sem a mínima consciência do que era. Eu fazia o movimento e resolvia. Então o meu problema era o pulso. Comecei a ter experiência em resolver o problema técnico, me senti mais a vontade, comerei a fazer repertório a passar para os alunos. A experiência me levou a conscientização destes movimentos. Agora estou lendo livros que me embasam teoricamente o que eu já tenho na prática.


SALETE: Qual seria uma síntese da crise pianística?

SENlSE: Pelo estudo mal feito, orientação não adequada, concebendo que o estudo de piano é uma coisa tortuosa, quando arte deve ser o maior prazer, o que já é bem difícil em si, pela própria busca da perfeição. Temos que estudar uma vida inteira. Então, vamos estudar a vida inteira da maneira mais fácil e prazeirosa possível.


SALETE: Como é que se deve estudar, qual o estudo que o piano exige?

SENlSE: Exige um estudo principalmente concentrado e cerebral, um estudo que vise sempre a expressão artística. Uma transformação naquele estudo simplesmente digital, baseado na imobilidade e na repetição pura e simples, base da escola antiga, para uma escola moderna, que apregoa este estudo da mente, usando os processos anatômicos fisiológicos. Assim, técnica é concebida corno um sistema de movimentos naturais que possibilitam o melhor desempenho do pianista.





SALETE: Como tem sido estes cursos que você tem realizado, por todo Brasil?

SENISE: São muito importantes, porque além de entrar em contato com as diversas tendências e escolas das mais variadas regiões do Brasil, do nordeste ao sul, eu posso observar que o defeito é sempre o mesmo.


SALETE: Qual seria?

SENISE: O desconhecimento da técnica como um sistema de movimentos e um menosprezo, uma ignorância quase que total da sonoridade como um papel preponderante na técnica pianística. Nós somos médicos “surdos”. Os pianistas visam a parte digital, mecânica e não ouvem o som que tocam, não se ouvem absolutamente.


SALETE: O que seria então, esta técnica, este sistema?

SENISE: A melhor maneira de se expressar artisticamente sem nenhum entrave. A melhor maneira de se realizar uma obra artisticamente, isto é, empregar nesta obra todos os meios possíveis, inclusive os meios contraditórios.


SALETE: Em que cidades você tem realizado cursos?

SENISE: O Brasil inteiro. Belém, Campo Grande, Florianópolis, Belo Horizonte, Terezina, Natal, Maceió, Rio de Janeiro, Vitória, Rio Grande.


SALETE: O estudo de piano no Brasil está completamente errado, apesar do piano ser um instrumento tão divulgado?

SENISE: Não é só no Brasil. Eu acho que é geral. Eu conheço mais o estudo do piano aqui. Mas eu vejo de maneira geral. Na Europa também existem aqueles que estoã atrasados 200 anos . Estão na escola do cravo, achando que estão no piano, porque desconhecem os livros e a prática do piano.


SALETE: Que livros você indicaria sobre a técnica?

SENISE: Neuhaus, Koussewistki, Gat, Blanche.


SALETE: Qual seria a melhor maneira de aprontar urna obra?

SENISE: Sempre através da mente, através do estudo racionalizado e englobando toda a parte anatômico fisiológico; isto tudo visando a obra de arte. Seria pegar a obra de arte, e através da música fazer a técnica surgir e não vice-versa. Usando a técnica como instrumento e não como fim.



SALETE: Como ficam os estudos de escalas e mecanismos’?

SENISE: São ultrapassados. São recomendados desde que a pessoa tenha um problema técnico especifico. O estudo do piano deve ser aplicado ao texto musical, em todos os sentidos. Desta maneira você engloba todos os departamentos: emocionais, psicológicos, digitais, cerebrais, tudo.


SALETE: E, você como concertista?

SENISE: Tenho em torno de setecentas apresentações públicas. Isto é urna riqueza muito grande. Se você contar que cada uma destas é uma experiência nova, porque enfrentar o palco é sempre uma coisa nova.


SALETE: Como professor, como é que você vê esta questão da participação em concursos?

SENISE: Quem não é de família influente, não resta outro caminho. Um concurso é muito importante porque para nenhuma outra atividade você se prepara tão bem. Em um recital você também se prepara, mas para um concurso você, além de se preparar bem tem que se preparar para ser o melhor do concurso, para ganhar. Não que ganhar seja o mais importante, mas você tem que se empenhar como se fosse para ganhar. Assim você obtém do concurso o resultado. Preparação para o concurso é o ganho do concurso, é o seu trabalho, como você se desempenhou, deu o melhor de si.


SALETE: A respeito do repertório pianístico. Que obras recomenda aos seus alunos?

SENISE: Um repertório que possa abranger todos os estilos. Estar sempre na mesma época estudando, no mínimo, uma peça barroca, clássica, romântica, moderna, contemporânea e uma obra brasileira.


SALETE: Como é que você escolhe o teu repertório?

SENISE: Eu tendo mais para os modernos e românticos. Eu gosto muito dos clássicos, adoro os barrocos, mas para tocá-los, tenho que estar muito tranqüilo e estudando muito porque é a arte do equilíbrio, a disciplina. Você tem que dormir bem, ter uma série de coisas que o professor, o músico brasileiro não pode ter, porque esta vida de músico brasileiro é muito difícil. Tem que dar aula aqui, ali, não sobra tempo para nada.





SALETE: Você gostaria de acrescentar mais alguma coisa?

SENISE: Gostaria de acrescentar que estes cursos que eu dou, antes de serem uma crítica aos professores de piano, é muito mais a título de informação. Eu não quero ensinar nada, quero apenas informar. É a título de informação, é a titulo de reciclagem, e assim, uma obrigação. Podem não concordar, mas é bom sempre estar informado. Todo professor deve sempre fazer uma reciclagem. Eu também faço e sempre farei, porque o dia que eu parar de tocar, de ler, ou de ensinar, parar de evoluir, parei no tempo, morri. Não há possibilidade alguma de um artista, professor ou não, parar. Não se pára em arte, porque ela é a busca da perfeição. A perfeição não será atingida nunca. É, justamente esta busca à perfeição que dá este dinamismo, este sempre ir adiante. Eu não separo o artista do professor. Eu procuro sempre, como artista ser professor, e, como professor ser artista; e, como ambos aprender o tempo todo, transformando os alunos também em meus professores, e aprendendo com a natureza e com a observação das coisas. Creio que é esta a característica dos artistas: observar todas as coisas através da sensibilidade e da inteligência.

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